16/08/2017

Apologia dos transportes públicos*


Ao meu irmão.

Cresci nos subúrbios do Porto. Durante anos, tive de esperar por um autocarro — o defunto 95, linha dos STCP que nada tinha de linear, ziguezagueando trinta absurdos quilómetros e atrasando-se a cada uma das quase cem paragens — para pousar a planta do meu pé na Praça da República ou na Avenida dos Aliados. Muitas vezes foi-nos necessário (a mim e ao meu genial e genioso gémeo) aguardar 45, 50 minutos para que víssemos despontar da curva da estrada um imenso Volvo laranja cujos travões rangiam como uma besta saída do último círculo do inferno, mas que, aos nossos olhos, assomava no horizonte um pouco como a carruagem do profeta Elias, vindo arrebatar-nos para a ‘civilização ocidental’. Não poucas vezes esperámos uma hora, uma hora e meia, por esse veículo pentecostal que nos conduziria da periferia ao centro. Esses anos não nos instruíram na paciência — na verdade, exauriram-na em tão tenra idade —, mas prepararam-nos para o impacto de uma aparição. (Deve estar quase.)

*Tal como existiam no Grande Porto no final da década de oitenta e no princípio da de noventa.