29/08/2017

Take yourself lightly

 
 
fotogramas de Angel, curta-metragem de Derek May (1966)

Um fundamentalista raramente se ri — e nunca de si mesmo. Isto deveria dar-nos que pensar, sobretudo àqueles que se declaram ‘religiosos’ ou ‘cristãos’. Todos aqueles que se levam demasiado a sério tornam-se infalivelmente ridículos, e talvez não haja maior sabedoria do que a de aprender a rir-se de si mesmo. Um teólogo dominicano, Herbert McCabe, diz que Deus se diverte à custa dos seus filhos circunspectos, azedos e solenes. Lutero recomendava que zombássemos do diabo e dele ríssemos. (Gil Vicente foi campeão olímpico nesta modalidade.) Devemos fazer o mesmo connosco próprios. Devo fazer o mesmo comigo próprio. Se os anjos conseguem voar — garante Chesterton no seu impagável Orthodoxy — é porque se encaram a si mesmos com ligeireza: Angels can fly because they can take themselves lightly. Afeiçoei-me ao filmezinho de Derek May não apenas porque cada fotograma parece um desenho a tinta-da-china, ou por causa do balanço da música de Cohen. O filme interessa-me porque estas criaturas — homem, mulher e cão — são anjos desastrados: correm, saltam, tropeçam, caem, riem-se, beijam-se, dizem disparates. As asas não lhes servem de muito: não conseguem elevar-se acima do solo, a não ser para se estatelarem. E, no entanto, dir-se-ia que levantam voo. Porquê? Because they can take themselves lightly.