27/08/2017

Vai, e dá-lhes que fazer.

Na sua Reportagem sobre a Banalidade do Mal, Hannah Arendt relata que Eichmann, o gestor de topo da Solução Final, foi capaz de fornecer em tribunal «uma definição mais ou menos correcta do imperativo categórico», deixando o juiz embasbacado. O verdugo declarou inclusive ser leitor de Immanuel Kant, facto que me apresso a invocar sempre que me vejo na necessidade de me desculpar por nunca ter lido A Crítica da Razão Pura. Em todo o caso, o ensino público conseguiu a proeza de gravar em mim uma versão estropiada de uma das três formulações do imperativo categórico de Kant. (É mais uma homenagem pré-póstuma que faço à Escola Secundária de Águas Santas, aka Escola do Corim.) É mais ou menos assim: Age de tal maneira que a máxima da tua acção possa ser erigida em lei universal. Um sublime ideal, com certeza, mas a minha formulação preferida do imperativo categórico pertence a Kafka e encontrei-a numa carta de Benjamin a Gershom Scholem: «Age de tal maneira que os anjos tenham alguma coisa que fazer.» Acho que ainda não vivi suficientemente em conformidade com este imperativo. Tenho de me lembrar dele mais vezes no futuro, e de me declarar objector de consciência na hora de subscrever um seguro contra todos os riscos.