31/07/2017

«É metáfora, não se vê logo?»

Ainda a propósito da desconfiança que as metáforas em teses e artigos científicos geram no âmbito dos Estudos Literários. As Letras e as Humanidades parecem viver na ansiedade de rechaçar a suspeita de que o seu âmbito de estudos padece de um irremediável défice de cientificidade, estando sempre aquém da objectividade impessoal das ciências exactas. Sucede, porém, que estas, embatendo contra um muro intransponível e vendo-se em apuros, não têm outra alternativa senão recorrer à metáfora — afinal, “uma ferramenta vital e imprescindível no desenvolvimento das terminologias e das hipóteses científicas” (cito o estudo de um epistemólogo da Iowa State University). Não deixa de ser paradoxal que a física, a matemática e a neurologia se socorram da metáfora e as ‘ciências literárias’ dela se esquivem, como quem atravessa o passeio para evitar um parente embaraçoso... Um poema do último livro de Alberto Pimenta brinca muito seriamente com o uso dessa ‘fantasia literária’ no discurso científico. Intitula-se “Gémeos e não só” e consta do livro Nove fabulo, o mea vox/De novo falo, a meia voz (Pianola, 2016). Transcrevo apenas a primeira metade.

Os cientistas encontraram,
disseram,
um «irmão gémeo da Terra»:
chamaram-lhe Kepler 452B;
está a 1400 anos-luz.
Porra!

O universo é de facto gigantesco!
Abrir as pernas
à distância de 1400 anos-luz
para parir gémeos
é emocionante!

— É metáfora,
não se vê logo?

Mas
eles não costumam usar
essas fantasias literárias,
não gostam…
isto embora o seu próprio saber
seja também uma metáfora,
como todo o saber,
como o próprio termo «metáfora».
Mas a deles, dos «gémeos»,
é uma metáfora
de virilha muito grande…