03/09/2017

Colegas de carteira

À Patrícia e à Rosalina, que — hélas! — também estudaram na escola do Corim.

Duas colegas minhas, sentadas lado a lado, olhavam fixamente para o ecrã do computador. Uma parecia ensinar à outra qualquer coisa. Interrompi-as para lhes perguntar se já tinham ouvido falar de uma criaturinha chamada Joseph Jacotot. Responderam que não. Expliquei então que se tratava de um pedagogo iluminista que postulara que um ignorante pode ensinar a outro ignorante aquilo que ele próprio não sabe. Incompreensivelmente, não colhi uma reacção favorável. (Uma das minhas colegas calçou luvas de boxe.) Na verdade, eu apenas queria falar de uma coisa em que acredito profundamente. Todos — a não ser esses gigantes fabulosos com um olho no meio da testa a que chamamos ‘génios’ — tivemos um colega de carteira que era capaz de nos explicar melhor uma questão (a resolução de um exercício, por exemplo) do que o nosso professor. Não porque o docente fosse indecente (embora por vezes o fosse), mas porque o professor discorria a partir do seu saber enquanto o nosso colega nos falava a partir da nossa ignorância comum. Comovente paradoxo: o colega de carteira pode ajudar-nos mais do que o professor porque sabe menos. Eu sempre dependi da bondade dos meus colegas de carteira — e não me refiro apenas à escola. Em certas alturas, eu próprio fui para outros um desses colegas de carteira. E agora, com os meus alunos, sinto-me ainda, um pouco, como um colega de carteira, mais do que como um mestre. Muito mais velho, é certo, mas também mais bem pago.