04/11/2017

Desculpar é humano, perdoar é divino

Há duas semanas, o país parecia estar em suspenso, aguardando um pedido de desculpa que tardava. «Já está em condições de pedir desculpa a todo o país?», questionou um tribuno na casa da democracia. A resposta do primeiro-ministro veio na forma de uma oração subordinada adverbial condicional: «Se quer ouvir-me pedir desculpas, eu peço desculpas.» Não me demorei um minuto na questão da pertinência, da oportunidade ou sequer da utilidade de um tal pedido. Como frequentemente acontece, a minha atenção desviou-se para um aspecto irrisório do problema; neste caso, um detalhe linguístico. Na ocasião, perguntei-me se o que estava em causa era um pedido de desculpas ou um pedido de perdão. A dúvida agravou-se desde então, talvez porque, nos últimos tempos, me tenho confrontado repetidamente com a necessidade de decidir: peço desculpa ou peço perdão? Não se trata de uma dúvida gramatical ou estilística, do género: devo escrever ‘eu mesmo’ ou ‘eu próprio’? ‘Pedir perdão’ não é uma versão mais enfática e teatral de ‘pedir desculpa’. Na verdade, trata-se de coisas distintas. Em certo sentido, de coisas opostas. (Aprendi isto com a teologia e a apologética, essas criaturinhas pequenas e feias que não podem ser vistas à luz do dia.*) Porque o que amiúde está em jogo num pedido de desculpas é, na verdade, a mobilização de ‘circunstâncias atenuantes’ da culpa: não tive essa intenção, não pude evitá-lo, estava cheiinho de nervos, dormi pouco, fui provocado, etc. Um pouco como fez agora Kevin Spacey, que, confrontado com acusações de assédio sexual, pediu desculpas por um deeply inappropriate drunken behaviour. (Uma desculpa quase tão esfarrapada quanto a de uma desarranjada canção de Tom Waits: The piano has been drinking, not me…) Pedir perdão implica antes o reconhecimento de que há uma parcela de culpa irredutível a todas as desculpas. Nesse momento, o nosso afã autojustificativo revela-se, além de maçador, supérfluo: uma perda de tempo, uma sementeira no deserto. Só podemos então confiar-nos ao perdão, e isso pode ser angustiante, mas também libertador.

* Refiro-me ao livro The Weight of Glory, de C.S. Lewis.