12/11/2017

Música e letra

Chet Baker fotografado por Herman Leonard (Nova Iorque, 1956)  

Em vez de enfrentar as tarefas urgentes que tenho diante de mim, voltei a dissipar o meu tempo livre em duas ociosas actividades: decorar texto (acabo de empinar os 24 versículos do assombroso Salmo 139) e tocar — muito sofrivelmente — piano (escuso-me a divulgar o castigado repertório). Coisinhas que talvez adiem dois ou três dias o Alzheimer, mas ignoro que proveito imediato me possam trazer, sobretudo porque não faço planos de exibir fora do agregado familiar o meu talento de diseur e ainda menos o meu virtuosismo lisztiano. Em todo o caso, a combinação destas duas recreativas ocupações trouxe-me agora à memória uma das histórias de Chet Baker, esse anjo por quem a droga se apaixonou, pedindo-lhe os dentes em troca. Conta-se que, em certa ocasião, o trompetista executava um solo quando, inexplicavelmente, estacou, permanecendo absorto por um bom bocado. Os restantes músicos continuaram, desamparadamente, sem a participação do trompete. No final, perguntaram a Chet por que parara de tocar. «Esqueci-me da letra», foi a sua resposta.