30/09/2017

Cultura, ou como lhe queiram chamar

Karl Kraus: disfarçado de satirista, um canibal entrou na civilização.

Dia de reflexão. O grande acontecimento das Autárquicas 2017 será — sub conditione Jacobaea — a eleição do meu irmão gémeo como Vereador da Cultura do município de Viseu. (O livro de estilo da Mosca dispensaria a caixa alta em ‘vereador’, mas admitamo-la a título excepcional.) Ignoro que predicados se exigem a um vereador que detenha este pelouro, mas há pelo menos uma coisa para a qual o meu gémeo precisa de estar preparado: enunciar uma definição de cultura. Quando um petiz do ensino primário do Mundão ou de Cavernães perguntar «Senhor Vereador, o que é a cultura?», não cairia bem responder: «Sei o que é, mas não sou capaz de explicar.» (Ou, como o Professor d’A Lição, de Ionesco: «Ui, isso levar-nos muito loooooooooonge!») De facto, não é tarefa fácil porque o conceito é volúvel e assaz elástico, abrangendo uma multiplicidade de fenómenos: da Divina Comédia e dos concertos de Bartók às boas maneiras e ao saneamento básico, passando pelos inefáveis ‘saberes e sabores’. Há definições que se tornaram tão clássicas que são já atribuídas a diversas personalidades. É o caso da seguinte: «Cultura é o que permanece quando se esqueceu tudo o que se aprendeu.» É uma definição interessante porque propõe uma demarcação entre cultura e informação, entre cultura e essa coisa repugnante como um mictório público que é a cultura geral. A minha definição preferida de cultura pertence, todavia, ao satirista vienense Karl Kraus, o autor d’Os Últimos Dias da Humanidade. Talvez o meu mano queira citá-la no seu primeiro discurso oficial. Reza assim: «Cultura é a muleta com que o coxo bate no são para mostrar que também a ele não faltam as forças.» (Pois, convém voltar atrás e ler outra vez.)