Robert Walser, «o poeta mais secreto que alguma vez existiu» (Elias Canetti)
Há muitos anos escrevi copiosamente sobre a Branca de Neve de Robert Walser, um texto que conheci através do escandaloso e, ao mesmo tempo, tão pudico filme de João César Monteiro. Nos seus Dramoletten, Walser retoma os contos de fadas no ponto em que terminam, mas não se trata apenas disso: escreve-os quando terminam, isto é, quando o seu encantamento, como um espelho polido, se parece ter quebrado em mil pedaços. (A trasladação do conto de fadas para o espectáculo e a etnografia é o sinal dessa extinção.) A este propósito, lembro-me muitas vezes de um discurso de Thomas Bernhard: «Viver sem contos de fadas é mais difícil. Por isso, é tão difícil viver no século XX.» Os dramalhetes de Walser têm tudo que ver com a falência desse encantamento, ao mesmo tempo que produzem um paradoxal efeito encantatório, inebriante, quase narcótico: como acontece ao Príncipe de Branca de Neve, «o meu ouvido fica suspenso como uma orelha numa rede de embalar...» Por motivos que não vêm agora ao caso, voltei há dias a esta pequena obra-prima. Procurava o passo que agora transcrevo abaixo. E já mal me lembrava de quão bela Branca de Neve é, mas a sua beleza é daquele tipo que causa um arrepio de frio. Por alguma razão, no mesmíssimo discurso, Bernhard confessa: «Tenho cada vez mais frio...»
Sim, com todo o gosto. Oh, sim,
e por que não sim a tudo
quanto dizes? Dizer sim faz
muito bem e é muitíssimo
doce. Acredito em ti. Sim,
mesmo que mintas, construas
contos que cheguem ao céu,
me apresentes mentiras toscas
e patetas, mesmo assim
acreditarei sempre em ti.
Tenho que dizer sim, sempre
sim. Nunca como agora uma
crença cresceu tão bela assim
em mim, nem uma confissão
foi tão doce como este sim.
Diz o que quiseres, creio em ti.
Robert Walser — Branca de Neve