21/04/2019

A era do vazio

Em 2008, criei um blogue que não sobreviveu mais do que duas ou três semanas, talvez menos. Chamava-se Descobertas junto à costa, porque sempre fiz mais fé na descoberta do que na pesquisa: «Eu não procuro: encontro.» Fazia-se de achamentos que não decorrem do espírito aventuroso de quem se arrisca em mar alto, mas do ócio de quem passeia ao rés da água quando a maré vaza. Desse blogue nado-morto resgato um texto postado a 23 de Março de 2008, Domingo de Páscoa. Não estou certo, mas pode dizer respeito à última vez em que participei num serviço religioso feito ao romper do dia.

Perguntam-me por que razão todos os anos, no domingo de Páscoa, me levanto invulgarmente cedo – eu, que só vejo o nascer do sol inadvertidamente, quando me deixo ficar a pé para além da hora recomendável – para participar numa simplória celebração pascal no Monte da Virgem, em Vila Nova de Gaia. O que dizer, se o evento perdeu a atractividade de outros tempos, só arregimentando umas três ou quatro dezenas de baptistas tolhidos pelo sono e pelo frio (o termómetro do meu carro marcava 3 graus, e eu acredito, porque é alemão)? Antes de mais, esclareço que à minha alma é estranho tanto o impulso gregário como a vocação auto-sacrificial. Não há também um único amigo de adolescência que tenha o hábito de rever nessa ocasião festiva. A minha parca sociabilidade atinge, de resto, um novo mínimo histórico sempre que me levanto às seis da manhã. À excepção das ruas e estradas desertas, coisa que não deixa de suscitar uma estranha sensação de beleza que faz remotamente pensar nas imagens de Hoper, nada há de particularmente notável no trajecto até ao Monte da Virgem. Nem sequer as antenas da RTP-Porto suscitam uma particular comoção no meu espírito. O rosto estremunhado dos meus correligionários baptistas em nada reflecte o assombro do acontecimento celebrado. Sendo certo que haverá muitas outras formas de evocar a ressurreição de Cristo, o que lá vou eu ver e fazer? Admito que a pergunta tem a sua pertinência, mas consola-me o facto de que tudo aquilo que os discípulos viram nessa ditosa madrugada de domingo foi apenas um túmulo vazio.