Excerto de "Bartleby, privacidade e convívio", introdução a Bartleby, o Escrivão: Uma História de Wall Street (Penguin Clássicos, 2022).
Thin man wearing a derby (pormenor), tela de John Armstrong
usada como imagem da capa na edição de Bartleby da Penguin Clássicos
Canecas, t-shirts, crachás, bonés, autocolantes, cadernos, tote bags, ímanes para o MacBook ou a porta do frigorífico: a formulação I would prefer not to enxameia o mundo, alimentando hoje lucrativas linhas de merchandising. Aquele que delas mais deveria beneficiar – o jeito que lhe daria nos momentos de aperto, que também os teve – já não pode do irrisório slogan extrair qualquer proveito. Falo de Herman Melville, o autor de Moby-Dick, fracasso editorial de 1851 que se converteria, postumamente, na epopeia da nação que erigiu o sucesso como medida de todas as coisas. Esse artigo da Fama, a glória póstuma, nada aproveita ao seu titular. A proliferação contemporânea da «Fórmula» – palavra com ressonâncias mágicas e sacramentais, também químicas e matemáticas, empregue por Gilles Deleuze e Giorgio Agamben para designar a frase infalível com que o escrivão Bartleby passa, a dada altura, a responder a qualquer razoável solicitação –, a sua reprodutibilidade e veloz propagação, mesmo entre aqueles que não leram a novela de Melville, lembra a eficácia de um vírus. Deleuze assinala o carácter altamente contagioso desse imperativo categórico às avessas: «Preferia que não.» Toda a população do escritório apanha a palavra prefer, aplicando-a involuntariamente nas mais diversas ocasiões, por vezes a despropósito. «Então, também contraiu a palavra», diagnostica o homem de leis quando a ouve sair da boca de um dos seus mangas-de-alpaca. O mantra de Bartleby é inoculado no espírito dos que o ouvem, fagocitando-lhes a linguagem e o pensamento, como chega a temer o patrão-narrador, alarmado pela disseminação epidémica da «estranha palavra» que ninguém antes empregava. I would prefer not to é, na sua própria génese, um meme: a unidade mínima de um sistema que é copiada, imitada e se espalha à velocidade da luz, desencadeando novas variantes. Já ouvimos rumores de microrganismos que se escapam do ambiente controlado dos laboratórios. O vírus de Bartleby escapuliu-se do ecossistema ficcional de um escritório de Wall Street e tomou conta do real, sabendo estabelecer com o hospedeiro uma relação estável. Agora, como diria o beatnik William Burroughs, pode desdenhar de vírus de baixo coturno como a varíola ou o SARS-CoV-2, entregando-os ao Instituto Pasteur.