22/08/2017

«Por que razão mo perguntas? O meu nome é misterioso.»

Esclarecimento (quem sabe se útil) sobre a entrada «Meu zeloso guardador»

Não choveram protestos, mas morrinhou uma reclamação amiga pela ligeireza com que taxei a prática católica da oração ao anjo-da-guarda como uma manifestação de «obscurantismo bíblico». De facto, os católicos encontram fundamento para esta prática nas Escrituras, especialmente no livro de Tobite, um texto que desconheço porque não faz parte do cânone hebraico e porque, com o desembaraço próprio de bárbaros e iconoclastas, os protestantes o reputaram como ‘apócrifo’. Confesso-me bastante enferrujado nos bilros para discutir um tema que, tratado com a devida propriedade, nos conduziria a minuciosos rendilhamentos e subtilezas, como aquela distinção operada pela teologia católica entre latria e dulia (adoração e veneração). De resto, com que proveito o faria? Não poderia competir com os dicionários de religião disponíveis, por exemplo, no Internet Archive (consultam-se sempre com interesse os de James Hastings, que já contam mais de cem anos). Apraz-me apenas registar que Antigo e Novo Testamentos se furtam à doutrina estável sobre os anjos: da sistematização e das hierarquias se ocuparam as correntes místicas e o gnosticismo de várias épocas. Encontramos, é certo, um esboço de hierarquia na Carta aos Colossenses (o célebre «Tronos, Dominações, Principados e Potestades»), mas é precisamente nesta epístola que — consciente do perigoso magnetismo irradiado por esses seres alados — o apóstolo Paulo adverte contra o culto dos anjos. O que conta é que, apesar da fascinação (e da enjoativa imagística kitsch) que geram, os anjos são doutrinariamente flutuantes. Também no plano teológico são criaturas com asas, que levantam voo e se evolam sempre que os tentamos fixar, poupando-se a estorvos e maçadas. Quando Manoé, pai de Sansão, pergunta ao anjo qual o seu nome, este responde: «Por que razão mo perguntas? O meu nome é misterioso.» (Juízes 13,18)