12/09/2017

10 horas e 10 minutos

 

Há uns tempos atrás dei-me conta de que os relógios dos anúncios publicitários marcam, na sua generalidade, uma mesma hora: 10 horas e 10 minutos, sensivelmente. A intenção é evidente: induzir positividade. Colocados nesse ponto do dia (ou da noite), os ponteiros formam um check. Podemos também dizer que insinuam um sorriso, persuadindo-nos de que as horas que esse relógio marca são horas felizes; evocam ainda dois braços ligeiramente erguidos, prometendo um abraço ou anunciando uma conquista iminente. Todavia, o efeito é bem diverso se, ao folhearmos jornais e revistas em distintos momentos do dia ou ao longo de uma semana, tropeçamos sistematicamente nesta estranha coincidência horária, nesta espécie de conspiração cronológica. Nessa altura, o sorriso ou o abraço podem adquirir uma outra feição, porventura ameaçadora. É como se o relógio, essa diabólica invenção (pois o tempo é uma consequência da Queda do homem), em vez de marcar a passagem das horas, indicasse afinal — sempre e invariavelmente — uma única. Em O Narrador, Walter Benjamin menciona um relógio de sol em Ibiza, no qual se encontra uma soturna inscrição latina: Ultima multis [Para muitos, a última]. Os relógios não marcam senão uma hora — e esta é a sombria mensagem subliminar que se aninha sob o glamour publicitário da relojoaria suíça de luxo.